Pequena árvore ou arbusto, cuja altura pode atingir os 12 m, a macieira-brava apresenta uma copa ampla, arredondada e com bastante ramificação. A sua longevidade pode alcançar os 100 anos.
Surgindo um pouco por quase toda a Europa e no Sudoeste Asiático, em Portugal ocorre no Minho, em Trás-os-Montes e na Beira Baixa. Prefere zonas de baixa altitude, solos algo siliciosos e boa exposição solar, ainda que suporte situações de semi-sombra. Surge na orla de bosques caducifólios ou mistos, de matas e pinhais, ou sob o seu coberto. Podendo aparecer ainda em sebes, beiras de caminhos e em bosques ribeirinhos. Espécie com carácter ornamental, cuja capacidade de atracão de vida selvagem, sobretudo de aves, e resistência a podas e aos efeitos das geadas, a tornaram frequentemente usada em espaços urbanizados como sebes em parque e jardins.
O seu tronco é curto e os raminhos são geralmente inermes, podendo, no entanto, surgir de aparência espinhosa. A casca, de tonalidade castanha e com aspeto fissurado, apresenta escamas que se desprendem. As suas folhas, caducas e de inserção alterna, são simples e de formas obovadas, elípticas ou arredondadas. De margem crenada ou serrada, apresentam-se de aspeto pubescentes enquanto jovens, passando na maturação a ser glabras na face superior e algo tomentosas na inferior. Possuem estípulas e um pecíolo tomentoso, cujo comprimento corresponde a metade ou a um quarto do comprimento do limbo. As flores, pequenas e de tonalidade branca ou rosada, são regulares e hermafroditas, apresentando um cálice tomentoso e pétalas livres. Agrupam-se em corimbos com 3 a 6 flores. A floração, primaveril, acontece entre os meses de abril e maio. Os frutos, pequenos pomos de aspeto globoso (maçãs) e textura quase glabra, exibem cores que variam do amarelo-esverdeado ao verde ou aos matizados de vermelho. A sua maturação acontece em setembro e outubro, mas algumas árvores mantêm-nos durante os meses de inverno – alegrando os tristes dias cinzentos.
Tida como o ancestral mais provável das macieiras de cultivo, para as quais ainda hoje é usada como porta-enxerto, os seus frutos são de sabor bastante variável – ora doces, ora amargos, por vezes ácidos e outras vezes insípidos. Tal inconstância de sabor não foi, contudo, impeditivo da sua inclusão na dieta alimentar. Na civilização romana os frutos eram tratados de forma semelhante a vegetais, sendo mesmo incluídos em sopas – hábito que persistiu na Europa Medieval. Até ao final do século XVIII, a alimentação dos povos escandinavos dependia de maçãs secas como um dos principais alimentos da sua dieta invernal. Nos dias de hoje a maçã é apreciada como sendo um alimento doce e, por isso, os frutos da macieira-brava devem ser colhidos antes das primeiras geadas, pois tendem a ser mais doces. Gregos e romanos usavam os frutos da macieira-brava para produzir vinagre e sidra, embora esta fosse um tanto diferente da que se produz nos dias de hoje. Ricos em pectina, os frutos da macieira-brava são apreciados como espessantes para a preparação de outras frutas em compotas e geleias. Das suas sementes é possível a extração de um óleo alimentar. Também nas folhas da macieira-brava o ser humano encontrou propriedades de interesse culinário, transformando-as em agradáveis infusões. Para os celtas as maçãs eram tidas como um alimento dos deuses, pelo que as macieiras-bravas e os seus frutos passaram a ser incluídas, por druidas e camponeses, em rituais de inverno nos quais se evocava o Sol para que as árvores florescessem e frutificassem, assegurando-se uma boa colheita para o ano que se iniciaria. No outono, celebravam-se as colheitas, agradecendo a prosperidade – costume esse que, nos últimos anos, voltou a ser praticado.
A sua madeira aromática, para além de constituir uma boa fonte de combustível é usada para o fabrico de instrumentos de desenho. Da sua casca produz-se corante de tonalidade vermelho-amarelado. A pectina contida nos frutos, para além de ser usada na culinária, é também usada como meio de cultura em laboratório.
Na medicina tradicional desde há muito se reconhecem as propriedades curativas contidas na sua raiz, casca, folhas e frutos. A casca e a raiz possuem propriedades anti-helmínticas, refrigerantes e soporíficas. As folhas possuem substâncias de ação antibacteriana e os frutos atuam como adstringentes e laxantes. O termo pomada terá tido origem na palavra francesa pomme, como resultado de um produto feito de maçãs e que era usado em aplicações no cabelo. Contudo, ao longo dos tempos foram-lhe, também, atribuídas propriedades curativas que apenas resultavam de crenças da imaginação popular – havia quem lhes atribuísse a capacidade de prevenir resfriados durante um ano, caso fossem ingeridas na noite de 31 de Outubro; para outros o tratamento de verrugas seria eficaz usando uma maçã cortada, que após tocar na verruga deveria ser enterrada, o tempo que esta demorava a apodrecer seria o tempo que a verruga demoraria a desaparecer.
O seu cultivo é antigo – tendo sido encontrados vestígios desta espécie em sepulturas que remontam à Idade do Bronze, e antigos são também os rituais em que está presente. Associada ao amor e ao casamento, a macieira-brava e os seus frutos incluem-se em diversos rituais do folclore europeu. É disso exemplo a tradição de lançar as suas sementes ao fogo, enquanto se pronuncia o nome da pessoa amada – se a semente explodir o amor é verdadeiro, mas se arder silenciosamente a pessoa amada deverá ser esquecida. Na mitologia grega são diversos os mitos que a incluem como símbolo do amor, sendo sagrada para as deusas Hera e Afrodite. A sua utilização simbólica é diversa – se por um lado as primeiras maçãs foram criadas por Gaia para presentear Hera no dia do seu casamento, por outro foram usadas por Éris, deusa do ódio e do conflito, para durante um casamento gerar a discórdia entre as várias deusas presentes ou, ainda, por Hipomene que as usou para ludibriar Atalanta e a conquistar em matrimónio.
Para os celtas a macieira-brava era conhecida como árvore do amor, conferindo-lhe poderes mágicos. Pelo seu aroma perfumado, queimavam a sua madeira durante os ritos e festivais de fertilidade e dela se esculpiam pequenos objetos que seriam oferecidos como símbolos de amor.
Se o seu simbolismo relativo ao amor era já diverso, à medida que o cristianismo se foi firmando na Europa, a maçã foi perdendo a sua representação de amor puro e firmou-se como símbolo de pecado. Talvez por essa razão o seu nome latino Malus signifique precisamente mau.
Pelo seu caráter simbólico, Shakespeare terá usado recorrentemente esta espécie na sua obra. E os contos folclóricos ocidentais atribuem-lhe também um papel simbólico de relevo, como o que acontece nas histórias de Guilherme Tell, da Branca de Neve e do Feiticeiro de Oz. Assim, a maçã permanece eternamente no limbo que separa a pureza e o pecado, o bem e o mal – papel que lhe havia sido atribuído pelo estadista e poeta grego Sólon, quando horrorizado com a devassidão a que se assistia nos casamentos atenienses, decretou que entre os noivos deveria haver sempre uma distância equivalente a uma maçã e que só o leito conjugal poderia anular tal imposição.
Texto: Mariana Santos | Foto: Marta Pinto
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