Como prometido, no passado dia 22 de janeiro voltámos a estar na companhia dos nossos amigos verdes, agora já recompostos da época festiva, e que, alegremente, nos receberam nas suas casas, naquela que seria a primeira das visitas de 2022 da terceira edição da Rota das Árvores do Porto.
A primeira “casa” visitada naquela tarde ensolarada de janeiro foi o Jardim de São Lázaro, o primeiro jardim público da cidade, projetado por José João Gomes, o primeiro jardineiro municipal, e mandado construir por D. Pedro IV em 1833, em pleno Cerco do Porto. Seria aberto à fruição da população logo em 1834, apesar de verdadeiramente concluído apenas em 1841. No decorrer das décadas seguintes, e sensivelmente até à primeira década do Século XX, viria a ser por diversas vezes intervencionado, nomeadamente em 1869, pelo arquiteto paisagista alemão Emílio David, autor dos Jardins do Palácio de Cristal e do Jardim da Cordoaria.
Fomos recebidos por uma formosa forasteira, cujas raízes asiáticas se adaptaram lindamente às terras lusitanas; uma mélia (Melia azedarach), por cá também conhecida, nomeadamente, por amargoseira, conteira e lilás-das-índias. Apresentou-se despida das suas folhas, semelhantes às dos freixos, mas engalanada por milhares de roliços e vistosos frutos amarelos, outrora utilizados no fabrico de rosários. Lá para a primavera voltará a deslumbrar quem a for visitar, com o aparecimento das muitas panículas de flores lilases que adornarão a sua, então, já verdejante copa.
Dali fomos depois caminhando até à “sala de estar” do jardim, onde nos aguardavam, dispostas em círculo, 12 vetustas magnólias-de-flores-grandes (Magnolia grandiflora). Nativas do sudoeste dos Estados Unidos da América e, tal como a mélia, muito bem adaptadas ao nosso território, estes já centenários exemplares encontram-se classificados como de Interesse Público, fazendo parte do grupo com cerca de 230 árvores classificadas no Porto. Das aromáticas “flores grandes” que lhe dão o nome nem sinal havia, já que para as vermos, e cheirarmos, teremos que aguardar a chegada dos dias mais quentes do final da primavera e do verão. No entanto, e não nos querendo desiludir, presentearam-nos com as suas lustrosas e sempre verdes folhas, por entre as quais espreitavam as suas atrativas e rosadas “pinhas”, algumas exibindo as suas grandes e inconfundíveis sementes vermelhas.
Uma vez que havia ainda mais duas “casas” a visitar naquela tarde, prestámos breves cumprimentos aos restantes habitantes de São Lázaro — tílias, cedros, camélias, jacarandás, entre outros — e partimos, rumo à Praça da Alegria.
Ali seríamos recebidos por um conjunto de elegantes lódãos (Celtis australis), nativos de Portugal, e que, pela caducidade das suas folhas, exibiam as suas copas despidas e muito arejadas. Aqui e ali, observavam-se, no entanto, ainda alguns dos seus diminutos e esféricos frutos cujo nome está na origem de um dos nomes comuns desta espécie: ginginha-de-rei. Perde-se no tempo a origem de tal designação, mas sabendo-se que a espécie embelezava já os jardins de alguns abastados romanos, não estranhará que, mais tarde, a realeza a viesse a apreciar de igual forma. E se não no jardim… provavelmente à mesa, pois o pequeno e adocicado fruto que o lódão produz é comestível.
Após esta curta paragem, a meio caminho da terceira “casa” a visitar, lá avançamos em direção aos portões do Cemitério do Prado do Repouso.
Tal como o Jardim de São Lázaro, também o Cemitério do Prado do repouso representa algo de novo no Porto de Oitocentos, mais precisamente o seu primeiro cemitério público, levantado nos terrenos da antiga Quinta do Prado do Bispo, construída entre 1582 e 1591 pelo bispo D. Frei Marcos de Lisboa para recreio dos prelados. Atualmente, para além de um património sepulcral notável — o cemitério, a par com o de Agramonte, faz parte da Rota Europeia dos Cemitérios — é também detentor de um variado e cosmopolita património botânico, do qual fazem parte espécimes verdadeiramente monumentais. Com todo o respeito que nos era exigido, lá o fomos, calmamente, conhecer.
E, sem muito ter que caminhar, logo fomos recebidos por uma altaneira palmeira, a única do seu género no cemitério. Tratava-se de uma butiá-da-serra (Butia eriospatha), nativa do sul do Brasil e também conhecida por butiá-veludo, pela “lã” avermelhada que cobre a longa bráctea que encerra as flores. Os seus frutos, embora algo ácidos, são comestíveis e muitíssimo aromáticos. Muito próximas, quase como guardiões e erguendo-se em direção aos céus avistavam-se dois gigantes nativos das orlas do Pacífico. O primeiro era uma esguia sequoia-sempre-verde (Sequoia sempervirens), espécie que inclui as árvores mais altas do mundo, nativa da costa norte da Califórnia, e da qual pudemos observar os seus pequenos e esféricos cones, bem como as suas ainda mais pequenas sementes. Já o segundo era uma imensa araucária-de-queensland, ou bunya-bunya (Araucaria bidwillii) nativa da Austrália. De todas as araucárias esta é a que que produz as maiores pinhas, autênticos gigantes, que podem pesar até 18 kg. Os seus pinhões, comestíveis e, diz quem sabe, com sabor a castanha, são de generosa dimensão, em conformidade com a pinha que os abriga. Entre estes dois gigantes observaram-se ainda um colunar teixo-irlandês (Taxus baccata ‘Fastigiata’), um mutante observado pela primeira vez na Irlanda do Norte no século XVIII e um rododendro, possivelmente, um rododendro-arbóreo (Rhododendron arboreum) pela cor rósea das suas flores que começavam então a abrir. Nativo da Ásia, a sua flor é a flor nacional do Nepal.
Dali fomos ao encontro de alguns graciosos exemplares de hinoki, ou cipreste-japonês (Chamaecyparis obutsa) na sua variedade anã ‘Nana Gracilis’, e nos quais podemos observar a característica disposição achatada das suas folhas, quase que fazendo lembrar conchas ou pequenos leques. Deixando para trás estes ciprestes nativos do Japão, fomos ao encontro de outros, nativos da orla oriental do mediterrâneo e bem nossos conhecidos. Encontrámo-los em duas filas, ladeando a comprida alameda que se estende até à entrada norte do cemitério; duas filas de ciprestes-dos-cemitérios (Cupressus sempervirens) e que aí se apresentavam em duas variedades distintas: a sempervirens, de formato fusiforme, e a horizontalis, de formato mais aberto, ambas ostentando grande produção de frutos.
Caminhando ao longo da alameda lá fomos “conversando” com muitas das outras espécies que por ali fomos encontrando, tais como a árvore-de-júpiter (Lagertroemia indica), nativa da índia e do sudoeste asiático, e da qual pudemos observar, e afagar, a sua casca lisa, suave e muito ornamental, bem como alguns monumentais e floridos exemplares de camélia, ou japoneira (Camellia japonica), nativa da China, do Japão e da Coreia, a “Rainha do Inverno” tão presente nos jardins do Porto, a “Cidade das Camélias”.
Um pouco por todo o cemitério, revelando-se em toda a sua delicada e alva beleza invernal, encontrava-se um sem número de magnólias-de-yulan (Magnolia denudata), nativas da China e repletas de belíssimas flores branco-pérola, acompanhadas por outras que, embora fora de época, começavam também a querer mostrar as suas cores, de tonalidades mais rosadas; as magnólias-de-soulange (Magnolia x soulangena), um híbrido entre a Magnolia denudata e a Magnolia liliiflora, esta última igualmente nativa da China. Mais discretas, mas também em grande número, e aguardando a sua vez de “brilhar”, que chegará com a primavera, encontravam-se as olaias (Cercis siliquastrum). Nativas desde o mediterrâneo oriental até ao médio oriente, cobrir-se-ão então de milhares de pequeninas flores cor-de-rosa, bem como de pequenas folhas em formato de coração. Virá daí a designação de “árvore-do-amor”?
Com a sineta já a tocar, lá nos fomos dirigindo para o portão, mas não sem antes fazer uma paragem obrigatória junto a uma outra alameda, ladeada por altíssimos e centenários tulipeiros-da-virgínia (Liriodendron tulipifera), nativos da costa atlântica dos Estados Unidos da América. Tal como as olaias, aguardavam pacientemente o regresso da primavera e do verão para nos mostrarem as suas verdadeiras cores, mas, de alguma forma, as suas copas despidas já “brilhavam”, adornadas por milhares de “estrelas” que não eram mais do que os seus frutos, agrupados em pequenas estruturas em forma de pinha.
Já no exterior do cemitério, acabaríamos a falar de palmeiras, tal como havíamos começado. São duas as espécies que podemos encontrar à entrada, junto aos dois grandes tanques que serão, possivelmente, tudo o que resta da antiga Quinta do Prado do Bispo: a palmeira-de-saia-da-califórnia (Washingtonia filifera) e o jerivá (Syagrus romanzoffiana).
A primeira, nativa dos Estados Unidos da América e do México, é menos comum pelas nossas paragens do que a Washingtonia robusta, a palmeira-de-leque-do-méxico, da qual se distingue pelas folhas, cobertas por filamentos, e pelo tronco, mais grosso e aprumado, geralmente coberto por longas “saias” compostas pelas folhas secas. A segunda é uma nativa da Mata Atlântica brasileira, produtora de frutos, doces, contrariamente aos da butiá, e sementes comestíveis, sendo também uma das espécies de onde se extrai o palmito.
Cheios de pressa para mostrar as suas flores estavam alguns dos castanheiros-da-índia (Aesculus hippocastanum) que vegetam na frente do cemitério. Mas desses falaremos mais nas próximas visitas, que rapidamente se aproximam…
A próxima será já no dia 19 de fevereiro, no Parque Ocidental da Cidade.
FOTOS | Créditos: ©2021CRE.Porto.FMiranda; ©2021CRE.Porto.malmeida; ©2021João_Tenente_de_Seixas
A “Rota das Árvores do Porto” é uma iniciativa do Município do Porto integrada no FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto, e enquadra-se no projeto Florestas Urbanas Nativas no Porto – FUN Porto. Colabora o Arquiteto João Almeida.