É ainda durante as primeiras décadas do século XIX, no encaixado vale do rio Frio, em terrenos pertencentes à antiga Quinta das Virtudes, que Pedro Marques Rodrigues, o “Pedro das Virtudes”, como era então conhecido, instala um horto, onde se dedicava à produção e venda de plantas. Este viria a empregar, em 1844, um jovem beirão, à data com 14 apenas, cujas paixão e conhecimento pelas plantas levariam a um extraordinário desenvolvimento do horto nas décadas seguintes. Falamos, pois, de José Marques Loureiro que, por volta de 1863, assumiria a propriedade do estabelecimento, tornando-o no mais importante do país e, possivelmente, da península, elevando-o até ao estatuto de atração turística, tal a diversidade de plantas raras e exóticas que o “horto do Loureiro” exibia e comercializava. A ele se dedicaria profundamente até quase ao final dos seus dias.
Foi aí, naquele que hoje conhecemos como Parque das Virtudes, que na ensolarada tarde do passado dia 13 de novembro teve lugar a segunda visita da terceira edição da Rota das Árvores do Porto, calcorreando os múltiplos socalcos sobre os quais se desenvolve, à descoberta da sua diversidade botânica que, embora muito diminuída desde os tempos áureos de Loureiro, é ainda muito digna de nota no panorama da cidade e da qual fazem ainda parte alguns elementos, hoje notáveis, desses tempos.
Logo após a entrada no parque, as honras da casa foram feitas por um majestoso viburno-cheiroso (Viburnum odoratissimum), nativo da Ásia, desde a Índia ao Japão, e cuja floração, tal como o nome deixa adivinhar, exala um delicado e adocicado aroma entre a primavera e o verão. Quando nos recebeu exibia ainda alguns dos seus pequenos frutos vermelhos, e uma copa pintalgada de folhas da mesma cor. Despedimo-nos, e lá fomos, em direção à luz do Douro. Pelo caminho encontrámos as alaranjadas folhas outonais de um bonito diospireiro (Diospyros kaki) que do alto nos mirava; uma espécie originária da China e do Japão e introduzida em Portugal por Marques Loureiro.
Um pouco mais à frente, face já às brilhantes águas do Douro, aguardava-nos um dos mais ilustres habitantes do jardim; uma vistosa paineira-rosa (Ceiba speciosa) exibindo a sua espetacular floração outonal nos ramos mais altos da sua copa e aguçados espinhos no seu tronco. Nativa do Brasil e da Argentina, e no nosso país mais frequente por terras mais a sul, deve o seu nome às fibras brancas que surgirão mais tarde, envolvendo as sementes; a chamada “paina”, outrora utilizada no enchimento de almofadas e de colchões. Este belo e centenário exemplar, possivelmente plantado por Marques Loureiro, encontra-se em vias de classificação.
Na sombra da sua copa vegetavam duas trepadeiras; a primeira, uma hera-comum (Hedera helix), europeia, apresentava-se de cor verde e em plena floração, e a segunda, uma hera-japonesa (Parthenocissus tricuspidata), asiática, engalanada com as suas cores outonais, em matizes de vermelho e amarelo. No socalco mais abaixo, já para lá da vedação de cariz romântico do jardim, espreitava a copa de uma grande árvore-do-papel, ou neve-de-verão, (Melaleuca linariifolia), australiana, na qual se observavam já as pequenas espigas brancas de flores que estão na origem de um dos seus nomes comuns. A visita estava prestes a voltar costas ao Douro, e embrenhar-se novamente no jardim, mas não sem antes olhar para um pequeno, e já despido, castanheiro-da-índia (Aesculus hippocastanum), e em particular para os seus grandes gomos castanho-avermelhados, resino-viscosos ao toque; uma árvore nativa da península balcânica, ao contrário do que o nome parece indicar.
Dali fomos então ao encontro de um ilustre membro da flora portuguesa; um teixo (Taxus baccata). Sendo o teixo uma espécie dioica, isto é, com exemplares femininos e masculinos em árvores diferentes, qual seria então este defronte dos nossos olhos? Um olhar atento desvendaria o mistério, pois encontrando-se os seus ramos profusamente ornamentados com pequenos cones amarelos, dúvidas não havia de que se tratava de um exemplar masculino. Os, porventura, mais conhecidos frutos vermelhos do teixo, são unicamente produzidos pelos exemplares femininos. Ali perto, uma outra árvore exibia, agora sim, grande profusão de pequenos e roliços frutos avermelhados… mas não era um teixo, era uma grande aroeira-vermelha ou pimenteira-do-brasil (Schinus terterebinthifolia), nativa da América do Sul e semeada pelo próprio Marques Loureiro em 1880.
Das muitas palmeiras que Loureiro comercializava no seu horto restam hoje duas no Parque das Virtudes, e foi desde um patamar sobranceiro à fonte de feição barroca localizada na parte superior do jardim que as observámos: a primeira, uma altíssima, bem nossa conhecida, e cada vez mais rara palmeira-das-canárias (Phoenix canariensis) que vai sobrevivendo aos avanços do escaravelho-da-palmeira (Rhynchophorus ferrugineus), e, a segunda, uma elegantíssima juçara (Euterpe edulis), nativa da Mata Atlântica brasileira, mais conhecida por ser uma das principais palmeiras das quais se extrai o saboroso palmito, cada vez mais comum… nas nossas saladas.
E falando de saladas, logo ali ao lado pudemos observar uma outra espécie cujo muito apreciado fruto faz parte das nossas ementas desde tempos imemoriais; a nogueira-comum (Juglans regia). Nativa da península balcânica, encontra-se hoje por cá naturalizada, tal como o castanheiro (Castanea sativa). Um pouco mais à frente no passeio, uma pequena árvore com folhagem de aparência familiar aguardava a nossa visita. Era um freixo, um freixo-de-flores ou de folha-redonda (Fraxinus ornus), um nativo da região mediterrânica que na primavera nos deslumbra com as suas exuberantes panículas de flores brancas. Agora no outono são as suas folhas que prendem a nossa atenção, especialmente aquelas que adquirem bonitas tonalidades vermelhas.
Com tonalidades mais amareladas estava uma magnífica magnólia-de-yulan (Magnolia denudata), uma magnólia de folhagem caduca, originária da China. É a primeira a florir pelas nossas paragens, no início do inverno, e cobre-se de maravilhosas flores brancas, a lembrar o frio e a alvura da neve. Esta, em particular, presenteou-nos com um par de flores nascidas fora de época.
Voltando ao ponto de partida, houve tempo ainda para apreciar um “envergonhado” abacateiro (Persea americana) nativo da América Central e do México, uma airosa, e europeia, tília (Tilia sp.), também ela já com a sua vestimenta outonal, uma australiana falsa-árvore-do-incenso (Pittosporum undulatum) ostentando as suas belas, mas muito “problemáticas” sementes cor-de-laranja e um alfenheiro-do-japão (Ligustrum lucidum), exibindo as suas flores e, principalmente, os seus pequenos frutos esféricos de cor arroxeada.
Para terminar a tarde em beleza fomos ao encontro de uma velha amiga que, muito pacientemente, nos aguardava desde o início do passeio, algo que, seguramente, já terá feito centenas, ou mesmo milhares de vezes ao longo dos seus mais de 200 anos de idade. A magnífica nogueira-do-japão (Ginkgo biloba) que domina este jardim, nativa da China, é a maior da sua espécie no nosso país e, certamente, uma das maiores da Europa. Está classificada desde 2005 como Árvore de Interesse Público. Pela sua extraordinária beleza, que atingirá o seu auge daqui a algumas semanas, até lhe perdoamos o “peculiar” aroma dos seus frutos, que cobriam o chão aos seus “pés”. Tornar-se-á então, verdadeiramente, na “Rainha — ou talvez, até, Imperatriz — das Virtudes”, coberta pelo seu resplandecente manto de ouro. Durante muitos anos solitária, ganhou não há muito tempo e ao que tudo indica, pela vibrante coloração amarela já exibida pelas suas folhas, um “príncipe consorte”, que a acompanha agora desde um patamar mais acima.
Sob a luz enfraquecida de um poente já avançado, demos por terminado o passeio pelo bonito, cheio de histórias e de insignes personagens, Parque das Virtudes. No entanto, muitos mais há para conhecer por toda a cidade. Os próximos já nos esperam no dia 11 de dezembro, no Parque da Pasteleira.
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A “Rota das Árvores do Porto” é uma iniciativa do Município do Porto integrada no FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto, e enquadra-se no projeto Florestas Urbanas Nativas no Porto – FUN Porto. Colabora o Arquiteto João Almeida.