Na tarde do passado Sábado 9 de Julho, acompanhados por um radioso sol, tivemos o privilégio de participar na última visita guiada da “Rota das Árvores do Porto”, finalizando a 1.ª edição desta magnífica iniciativa. Fomos gentilmente acolhidos pelos membros da organização, cuidadosamente vestidos com trajes do séc. XIX, permitindo-nos recuar aos tempos da criação dos primeiros jardins públicos da cidade, e recordar as vestes envergadas pela burguesia da época, para ostentar toda a elegância da sociedade portuense.
Num dos topos do Jardim do Passeio Alegre, Joel Cleto iniciou o percurso e o relato das curiosidades históricas associadas ao local, referindo que o primeiro Jardim Público do Porto, só surgiu no séc. XIX
Próximo do Jardim, junto a uma rampa de acesso de embarcações, ocultada pelas atuais instalações que albergam os Pilotos da barra, podemos vislumbrar a cúpula sextavada de uma Capela-Farol, datada de início do séc. XVI. Esta Capela de invocação de S. Miguel-o-Anjo, que foi a 1.ª obra Renascentista do nosso país, integrou um erudito programa de valorização do local e precioso auxílio à navegação, cuja conceção se deveu ao ilustre D. Miguel da Silva [o malogrado bispo de Viseu], e cuja edificação ocorreu em 1527-1528. Este Bispo, muito próximo do monarca D. Manuel, privava com a Família Medici, sendo um amante das Artes. Foi também o responsável pela promoção do pintor Grão Vasco. Imbuído de um espírito renascentista, ao regressar de Itália em 1525, onde tinha vivido na corte papal cerca de uma dezena de anos, o Bispo elegeu a Foz do Douro para erigir um importante programa arquitetónico que de algum modo se assemelhasse à maravilha “Farol de Alexandria”. Pretendia assim atenuar as adversidades de uma costa frequentemente assolada por tempestades e nevoeiros perigosos, dada a existência de abundantes penedias traiçoeiras só visíveis nas vazantes, que eram responsáveis por naufrágios. Desde o tempo de D. Afonso Henriques, estas paragens eram pertença do Mosteiro de Santo Tirso. Ainda próximo deste local, outras foram as intervenções que chegaram até aos nossos dias. Por exemplo o desbaste da falésia da Arrábida, para construção do Molhe da Foz, que integrava o dique a jusante da Cantareira, incluindo a «Meia Laranja», segundo projeto do Engenheiro francês Reinaldo Oudinout, construído entre 1792 e 1805.
Por sua vez, Isabel Lufinha da Divisão de Jardins da Câmara Municipal do Porto, partilhou curiosidades obre a fauna e flora, relativas às espécies arbustivas e arbóreas do Jardim do Passeio Alegre e da zona envolvente. Muitos de nós fomos surpreendidos com a informação de que os 63 exemplares das majestosas Palmeiras das Canárias, que ladeiam a Avenida D. Carlos I, não são botanicamente consideradas árvores, mas sim “ervas gigantes”. Palmeira-das-canárias é a designação comum atribuída à espécie Phoenix canariensis, uma palmeira oriunda das ilhas Canárias, hoje amplamente utilizada nas zonas temperadas de ambos os hemisférios como planta ornamental. Esta palmeira pode atingir cerca de 17 m de altura, sendo constituída por um espique (caule das palmeiras) dotado de grande robustez e flexibilidade que pode atingir de 70 a 90 cm de diâmetro. É uma planta extremamente resistente ao vento, baloiçando fortemente sem partir, devido à flexibilidade do seu caule. Resiste bem à salinidade do ar e da chuva, razão que deve ter estado na origem da eleição destes exemplares já centenários, para ornamentação desta zona ventosa de beira-mar.
Nos últimos anos, as Palmeiras do nosso país foram atacadas por uma praga de escaravelhos vermelhos [Rhynchophorus ferrugineus], de relativamente grande dimensão, entre dois e cinco centímetros de comprimento, que apresentam uma cor vermelho-ferrugem. Isabel Lufinha possibilitou-nos visualizar alguns desses exemplares reais, cujas larvas escavam buracos de até um metro de comprimento no caule das palmeiras, podendo matar a planta hospedeira. Originário da Ásia tropical, o escaravelho vermelho invadiu a África e a Europa, atingindo o Mediterrâneo em 1980. O escaravelho vermelho, tendo proliferado de uma forma descontrolada, é responsável pelo ataque às partes mais viçosas e tenras da planta [o palmito que utilizamos na alimentação], danificando irremediavelmente as suas palmas. A Divisão de Jardins da Câmara Municipal do Porto, desde há 3 anos, tem feito um trabalho notável de controlo dessa praga, através da aplicação de uma calda através de um sistema de irrigação, tendo como feliz resultado a inexistência, até ao momento, de qualquer perda irreparável. Estas Palmeiras foram também, acerca de uma dezena de anos, eleitas como local de recreio de uma colónia de estridentes “Periquitos de Colar”.
Para facilitar a perceção das características da paisagem desse local, ainda antes da construção do Molhe, e numa época em que ainda não tinham sido dinamitados os imensos rochedos que dificultavam a navegação pelas embarcações, José Franco da Divisão de Jardins da Câmara Municipal do Porto, possibilitou-nos a visualização de uma rara foto. Podemos ainda observar uma imagem de uma parte da “Planta topográfica da Cidade do Porto” de 1839, de Joaquim da Costa Lima, que através do seu aprimorado detalhe, representava já os Planos de embelezamento paisagístico da zona do Molhe, anos após a sua construção. José Franco salientou a circunstância de há data, não existir ainda a Avenida para circulação do meio de transporte “Americano” – veículo de tração animal, antecessor do carro elétrico em carris.
Joel Cleto relembrou que esta costa foi ao longo dos tempos, e até ao séc. XVIII fustigada por ataques de piratas, tendo-se muito mais tarde tornado uma zona aprazível de veraneio, podendo ser desfrutados os saudáveis e “belos ares” marítimos. Mencionou também que a planificação do ajardinamento da zona do Molhe, presente na Planta topográfica da cidade de 1839, contou com a preciosa visão de Émile David, um arquiteto paisagista alemão, que 9 anos antes da sua morte em 1873, tinha vindo para o Porto para conceber o desenho dos Jardins Românticos do Palácio e Cristal, e depois de grande parte dos jardins da cidade do Porto, na segunda metade do século XIX. Inicia o seu percurso na cidade do Porto em 1864, ano em que foi convidado para o planeamento e a direção dos jardins do Palácio de Cristal, cargo exercido até 1869. Em 1865 executa em paralelo os planos para o Jardim da Cordoaria e para o Jardim do Passeio Alegre. Entre 1869 e 1870 assume a direção do Horto das Virtudes com José Marques Loureiro. Após este período abre um gabinete próprio junto à Rua de Santa Catarina, onde projeta jardins – essencialmente para residências privadas – dedicando-se ao comércio de plantas, sobretudo exóticas. Muitas das árvores do Jardim do Passeio alegre eram de origem alemã, talvez por influência de David.
O Jardim integra 28 belos exemplares de Araucárias. A Araucária, é do género árvore conífera, sendo proveniente da Austrália. A sua origem remonta a mais de 200 milhões de anos, podendo atingir alturas de 50 m. Os primeiros exemplares do nosso país, foram destinados um a Lisboa, outra ao Jardim Botânico de Coimbra, e o terceiro exemplar adquirido no Horto de Marques Loureiro nas Virtudes, foi para o Jardim da propriedade da Baronesa do Seixo, situada em Cedofeita.
A construção do Jardim do Passeio Alegre, foi de iniciativa da Burguesia que à Foz se deslocava “a banhos”. Por influência da comunidade inglesa da cidade e do seu gosto pelo desporto, começaram a tornar-se populares os banhos, inicialmente no Rio Douro. Uma vez que esses banhos tinham uma temperatura da água pouco convidativa, mais tarde os banhos na Foz, passaram a proporcionar muito mais conforto. Eram disponibilizados em casas de banheiros, no interior de barricas, encontrando-se a água do mar aquecida. De salientar que até 1888, o local do traçado do Passeio Alegre, era pertença do Ministério das Obras Públicas, e era resultado de um espaço recuperado ao mar. Através de um acordo celebrado com a Câmara Municipal do Porto, alcançou-se a municipalização do espaço, e a sua transformação em Jardim Público. Tornou-se portanto o local de eleição para os Passeios da Aristocracia e de deleite das elites que aqui se deslocavam do Porto “a banhos”. A Comissão de Banhistas assegurou a requalificação dos espaços, através da introdução de um Coreto em 1902, para a dinamização de Concertos e Bailes. O espaço encontrava-se muito cuidado com detalhes de requinte, como é exemplo a decoração e louça sanitária do edifício das instalações sanitárias, que tivemos a oportunidade de visualizar. Mais recentemente no Lago do Jardim, foram colocadas estátuas, sendo uma de invocação de S. João Baptista, o Santo Popular associado às festividades da cidade, e padroeiro da Igreja Paroquial.
No seio do Jardim existe uma invulgar edificação, denominada Chalet do Passeio Alegre, cuja construção data de 1873. É um Quiosque que se mantém ainda hoje em funcionamento. Apresenta uma planta octogonal, contando com mais de cem anos. Possui uma figura de um carneiro situado no topo da cobertura em pirâmide, em alusão ao primeiro proprietário, António Carneiro dos Santos, em cuja cobertura ao centro, se encontra precisamente o monograma A.C.S., em alusão ao mesmo. Inicialmente construído em madeira, a sua estrutura foi rebocada no século XX. Nos anos sessenta do século XIX, tinham início as obras do Jardim do Passeio Alegre, tendo o mesmo sido inaugurado em 1892. Este Chalet era um dos pontos de encontro preferido dos intelectuais da época, tais como: Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão. Em 1906 foi vendido a Charles Frederick Chambers e, posteriormente, ao suíço Jácome Rasker, o que levou a que ficasse mais conhecido pela designação: Chalet Suíço. Joel Cleto mencionou uma lenda urbana de origem não muito remota, que refere que no silêncio da noite, ainda é possível ouvir junto do Chalet, o choro e lamentos dos jogadores que perderam dinheiro nos jogos clandestinos, dos hotéis da antiga Foz. Como curiosidade foi referido que o Hotel da Boa Vista, próximo do Forte de S. João Baptista, é a instituição hoteleira ainda existente, mais antiga da cidade.
Junto ao Chalet Suíço, encontra-se um engraçado exemplar Pittosporum. Esta espécie apresenta árvores e arbustos que crescem de 2 – 30 m de altura. Esta apresenta um peculiar tronco muito torto, cuja inclinação pode ser explicada pela necessidade de procura de luminosidade, face à dominância das copas das árvores vizinhas.
No outro extremo do Jardim, diametralmente oposto ao ponto de partida do nosso Passeio, encontra-se localizado um portentoso chafariz proveniente do meio do Claustro, do já desaparecido Convento de S. Francisco, bombardeado e destruído durante o período do Cerco do Porto. Em 1833, terminada a guerra, os Comerciantes tinham por hábito, juntarem-se ao fim do dia na Rua da do Infante, para falarem dos seus negócios – era a jocosamente denominada “juntina”. Estes, pediram entretanto autorização para se passarem a reunir nas ruínas do convento, precisamente junto a essa fonte. Assim, em 1834, ocorreu a fundação da Associação Comercial do Porto, cuja Sede – o Palácio da Bolsa – foi construída na localização da outrora instituição religiosa. O atual Pátio das Nações, equivale precisamente ao antigo claustro que no seu interior continha o referido chafariz, agora elemento de ornamentação do Jardim do Passeio Alegre.
Próximo do Jardim, destaca-se uma outra edificação renascentista – a Igreja de São João Baptista – que em conjunto com a capela-farol de São Miguel-o-Anjo [numa estratégia de complementaridade], consubstanciava o arrojado plano delineado para este local estratégico, pelo Bispo D. Miguel da Silva. Após um devastador saque do Funchal, e atendendo a que a costa era fustigada por incontáveis ataques de piratas e de corsários [piratas ao serviço de nobres estrangeiros], a rainha D. Catarina determinou a construção de diversos Fortes junto de cidades portuárias do Norte do país. Corria o ano de 1567 quando a regente ordenou ao engenheiro Simão de Ruão que executasse um projeto para edificar uma defesa abaluartada na foz do rio Douro, em redor da já existente Igreja de São João Baptista. Esta, de estética ao gosto italiano, correspondia a um novo conceito de espaço, congregando inovadores elementos de decoração. Em 1570 iniciavam-se as obras das muralhas abaluartadas, que foram edificadas à volta do conjunto renascentista pré-existente, cercando-o e protegendo-o. Esta Igreja foi igualmente a primeira de estilo renascentista erigida no nosso país.
Junto do chafariz, como portentosos guardiões deste topo do Jardim do Passeio Alegre, encontram-se dois graciosos Metrosideros Excelsa. Popularmente conhecida como “árvore-de-fogo”, trata-se de uma espécie de árvore de grande porte, podendo atingir até 20 m de altura. É originária das zonas costeiras da Nova Zelândia, sendo muito utilizada como árvore ornamental e de abrigo, nas zonas costeiras temperadas. Estes magníficos exemplares encontram-se protegidos com a classificação de interesse público. São árvores muito resistentes, que embelezam os jardins graças às suas vistosas e exuberantes flores de coloração encarnada. A sua denominação alude a uma das principais características destas árvores (e arbustos) – a dureza da sua madeira – e provem da associação do vocábulo grego “metro”, que significa “útero” – a transmitir a ideia de meio, interior – à palavra grega “sideros”, que significa “ferro”, ou seja: “madeira interior dura como o ferro”. Dado esta árvore apresentar na Nova Zelândia a sua floração no período de Novembro a Janeiro, foi considerada pelos botânicos, como a árvore de Natal dessas paragens. Estes Metrosideros constituem dois importantes pontos de proteção e amparo do Jardim, exibindo raízes aéreas em forma de “barbas”.
Nesta Visita prestamos ainda homenagem ao notável paisagista que esteve na origem da conceção do Jardim do Passeio Alegre: Jerónimo Monteiro da Costa, que curiosamente foi Presidente do Futebol Clube do Porto no início do século XX. No final do século XIX, início do século XX, Jerónimo Monteiro da Costa foi um importante impulsionador da horticultura e da construção e requalificação de jardins e praças da cidade do Porto, dando continuidade ao trabalho já iniciado nesse âmbito, e que veio a marcar a fisionomia da cidade. Foi sócio da Real Companhia Hortícola-Agrícola Portuense, sucessora do Horto das Virtudes, fundada em 1890 por Marques Loureiro, e editor do Jornal Hortíco-Agrícola, jornal que prosseguiu o trabalho do Jornal de Hortícola Prática. Trabalhou no Horto das Virtudes, de José Marques Loureiro, até 1880, ano em que se tornou responsável pelos Jardins do Palácio de Cristal. Nesta década, esteve ao serviço na Câmara Municipal do Porto como jardineiro, tendo, na década seguinte, ascendido a diretor dos jardins municipais. Iniciou neste âmbito uma obra de referência não só como responsável pela construção e reconversão de praças e jardins, mas também como projetista da maioria destes locais, com um estilo romântico muito ao gosto da época. Foi também proprietário de um Horto na Rua Antero de Quental.
A nossa Visita foi finalizada com a invocação de uma destacada personalidade da escrita, natural da Foz, e homenageada numa escultura presente no Jardim. O escritor Raul Brandão foi também militar e jornalista, famoso pelo realismo das suas descrições e pelo lirismo da linguagem. Nasceu na Foz do Douro em 1867, localidade onde passou a sua adolescência e mocidade. Sendo filho e neto de homens do mar, o oceano e os homens do mar foram uma das temáticas prediletas da sua obra.
E assim finalizamos uma agradabilíssima tarde de contemplação de Árvores que nos contam histórias, com uma foto de grupo para mais tarde recordar. Foi expresso o desejo, ao nosso amável companheiro de visitas Pedro Macedo, de em breve podermos contar com a continuidade desta singular iniciativa, que despontando o nosso interesse pela contemplação da natureza, nos ajuda a melhor apreciar a nossa singular e inspiradora Cidade.
Relato escrito pela participante Alexandra Paulo, a quem muito agradecemos.
FOTOS | Créditos: @2016CRE.Porto|ampereira|pamacedo|OrlandoPereira|IsabelLeal
Iniciativa integrada na Rota das Árvores do Porto, promovida pelo Município do Porto no âmbito do FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto. Na Rota das Árvores do Porto são parceiros a Santa Casa da Misericórdia do Porto, a Árvore – Cooperativa de Atividades Artísticas, o CRE.Porto, a Metro do Porto, a Ordem dos Médicos (Secção Regional do Norte) e o Instituto Português de Naturologia.