Texto: Rubim Almeida* | Foto: Marta Pinto |
O Azereiro é uma daquelas raras espécies que leva consigo o nome de Portugal, esteja onde estiver e fale-se o idioma que se falar. Em inglês designa-se “Portuguese Laurel”, em italiano “Lauro Portoghese”, “Portugiesische Kirschlorbeer” em alemão, “Laurier du Portugal” para os franceses, “Llorer-cirer de Portugal” para os catalães e “Loureiro de Portugal” para os galegos. Até mesmo em Basco se consegue compreender que “Portugal erramua” é algo que tem que ver com o nosso país.
Possivelmente seria essa a ideia que Lineu pretendia transmitir quando criou a espécie Prunus lusitanica já que se baseou nos trabalhos de Tournefort, a partir de plantas recolhidas em Portugal e descritas na obra Institutiones Rei Herbariae (sob a designação de “Laurocerasus Lusitanica minor”). Note-se que Lusitania era o nome com que os romanos designavam a região da Lusitânia e que hoje integra o nosso país.
Na realidade, falamos de uma espécie autóctone cuja distribuição é bastante restrita. Encontra-se esta pequena árvore na região basca francesa, Espanha, Portugal, Marrocos e na Macaronésia (a Macaronésia é a região biogeográfica que inclui os Açores, a Madeira, as Selvagens, as Canárias e Cabo Verde, arquipélagos que partilham afinidades com o Mediterrâneo e o Noroeste de África).
Para os botânicos a espécie encontra-se dividida em 3 subespécies: a subespécie lusitanica (Azereiro – de que se fala neste texto) que se encontra no Continente, a subespécie azorica (Ginjeira-brava-dos-açores) que como o nome indica ocorre nos Açores e a subespécie hixa (Ginjeira-brava) apontada para a Madeira, as Canárias e para Marrocos. Todas elas, ainda que em graus diferentes, são pouco comuns e até raras.
Mas voltemos ao Azereiro. Há muito, muito tempo (falamos de qualquer coisa como cerca de 60 milhões de anos) o clima nesta região da Europa poderia ser descrito como tropical. Com o passar do tempo, o clima foi mudando com as temperaturas a diminuírem até atingirem os seus mínimos durante as glaciações que cobriram de gelo o Velho continente.
Nesse período tanto a flora como a fauna sofreram grandes modificações, incluindo a extinção de muitas espécies, e foram recuando perante os gelos tendo as penínsulas da Europa do Sul (Península Ibérica, Península Italiana, Península Balcânica, etc.), desempenhado um importante papel como refúgio da vida, já que os efeitos do frio não foram tão intensos nestas regiões. Assim, algumas das espécies mais antigas conseguiram chegar a esses refúgios e sobreviver em locais onde encontraram condições para o fazer (vales profundos, encostas voltadas a Sul, etc.). E é assim que o Prunus lusitanica subsp. lusitanica, uma planta perenifólia subtropical, chega aos dias de hoje, considerada como uma relíquia – relíquia terciária – e representante de um tipo de florestas que praticamente já não existem.
Considerada internacionalmente como uma espécie rara e vulnerável, que goza de estatuto próprio de conservação (Anexo II da Directiva Habitats, Anexo I da Convenção de Berna) é um parente silvestre da amendoeira (Prunus dulcis (Mill.) D.A. Webb), que pode ser encontrado perto de correntes de água, a altitudes que costumam ir dos 500 aos 900 m (ainda que se conhecem a altitudes maiores), preferindo os solos siliciosos bem drenados, as matas sombrias e abundância de água ou, como dizem os galegos, “O acereiro gústalle ver a auga pero non mollarse…”. No continente pode ser encontrado nas Beiras Baixa e Litoral, Minho e Trás-os-Montes, raramente na Beira Alta encontrando-se naturalizado na Estremadura.
Pertencente à família das rosas (Rosaceae), é um arbusto/pequena árvore que pode atingir os 3-8 m, raramente 10 m (20 m quando cultivado), de folhas perenes, coriáceas, glabras, com um pecíolo vermelho, de margem crenada e de um intenso verde-brilhante. As suas flores, cerca de 30 a 80 (raramente 100) dispostas em cachos maiores que as folhas, são de cor branca e, dependendo do “autor” podem ou não serem perfumadas. O seu fruto – drupa – pouco carnoso é ovado e passa pelas cores verde, vermelho e preto, à medida que amadurece no final do Verão.
O facto de se tratar de uma “relíquia” confere-lhe um elevado interesse científico o qual é potenciado pelo seu carácter autóctone, pelo seu valor ecológico e capacidade de adaptação ao meio (pode adaptar-se à alcalinidade dos solos, ao frio, à contaminação e mesmo até à seca). Estes aspectos bem como a sua facilidade em regenerar (rebenta por toiça facilmente) poderiam tornar esta espécie muito interessante como forma de criar microclimas húmidos em áreas degradadas, especialmente no contexto das alterações climáticas.
A sua beleza natural (especialmente quando em flor) aliada à sua resistência e ao facto de suportar muito bem o talhe conferem-lhe um valor ornamental muito considerável, pelo que se estranha que em Portugal seja preterida em favor de exóticas menos interessantes.
Do ponto de vista da produção não se trata de uma espécie muito interessante, ainda que a sua madeira de cor rosada seja utilizada localmente em marcenaria. Nessa área, ainda recentemente em Portugal usava-se para produzir bengalas e, em Espanha, para produzir utensílios de cozinha e flautas. Foi também usada como “cavalo” na “enxertia de garfo” em outras espécies de Prunus. Estudos recentes indicam que esta espécie poderá vir a ser usada na indústria farmacêutica e dermocosmética num futuro próximo, sobretudo a nível da indução da permeação cutânea.
Apontado como emético (que produz o vómito), como bactericida e fungicida, existem registos da utilização da casca do Azereiro como antipalúdico e no tratamento de picadas de víbora em gado. Mas há que tomar muito cuidado. Quase todas as partes da planta são ricas em Amigadalina e Prunasina que são decompostas em Cianeto de Hidrogénio, especialmente as folhas e as sementes, o que é facilmente comprovável ao esmagar as folhas entre os dedos, das quais se evolará o inconfundível cheiro a “amêndoas amargas”.
Ainda assim, os frutos muito maduros ainda que amargos, crus ou cozinhados, são comestíveis e foram aproveitados na confecção de geleia. Se resolver provar aqueles frutos, tenha em mente que um pouco de cianeto pode estimular a respiração, melhorar a digestão e proporcionar um certo bem-estar. Mas quando demasiado pode provocar paragem respiratória e morte. O melhor é não o fazer.
Bibliografia:
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Portugal Continental − Até à Idade Média In J. S. Silva (eds.), Floresta
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* Este texto resulta de uma colaboração graciosa do Professor Doutor Rubim Almeida com o FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto. O Professor Doutor Rubim Almeida é docente e investigador na área da botânica na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, onde é coordenador do Mestrado em Ecologia, Ambiente e Território. Integra o CIBIO / INBIO.