Texto: Rubim Almeida* | Foto: Marta Pinto |
Não é fácil falar sobre Frangula alnus, conhecido vulgarmente como Amieiro-Negro, Amieiro-Preto, Frângula, Frangulina, Fúsaro, Lagarinho, Sangarinheiro, Sangarinheiro-de-água, Sanguinheiro, Sanguinho, Sanguinho-bastardo, Sanguinho-de-água, Zangarinheiro ou Zanguinho.
Falamos de um arbusto, por vezes pequena árvore, que pode atingir os 3-4 m de altura (mais raramente 7), inicialmente classificado pelo ilustre botânico sueco Lineu, em 1753.
Se um botânico descrevesse esta espécie, diria que se trata de um arbusto de 4 a 5 m, sem pêlos, com uma casca cinzento-acastanhada, com lenticelas (com pequenos “poros” visíveis) e sem espinhos ou acúleos (tipo de “espinhos” como os das roseiras). Que os seus ramos são castanho-avermelhados, de folhas alternas, inteiras, pecioladas, caducas, com 7 a 9 pares de nervuras laterais, obovadas e terminando numa ponta aguda. As flores, hermafroditas (apresentando simultaneamente órgãos sexuais femininos e masculinos) dispõem-se em cimeiras (grupos de flores terminando os ramos) paucifloras (com poucas flores), frouxas (pendentes), com pedicelos compridos, axilares, solitárias ou fasciculadas, com o cálice verde e as pétalas brancas, menores que as sépalas. O fruto drupáceo (de drupa, como as cerejas, os pêssegos, etc.) que parece uma “baga” – nuculânio – apresenta-se vermelho, tornando-se negro quando maduro.
Pertencente à família botânica Rhamnaceae (ainda parentes das roseiras e plantas similares) ocorre em grande parte da Europa, no Sudoeste asiático e no Noroeste de África.
O nome “frangula” poderá ter tido origem no Latim “frango”, “frangere” – fragmentar, romper, desfazer – numa alusão á fragilidade dos seus ramos jovens que se rompem com facilidade. Quanto ao nome específico “alnus” alude à semelhança com as folhas dos amieiros (géneros Alnus).
As suas preferências no que concerne ao habitat fazem com que surjam em margens de cursos de água, em terrenos húmidos de fortes oscilações freáticas e áreas pantanosas. Em Portugal continental ocorre sobretudo nas regiões Norte e Centro do País.
Sobre o Sanguinho-de-água (e de diferente relativamente a muitas outras espécies), pode-se hoje afirmar com muita segurança que foi uma das primeiras espécies a recolonizar a Europa depois das últimas glaciações, a partir dos refúgios da bacia do Mediterrâneo. Tal facto deveu-se à ação de muitas aves que se alimentam dos seus frutos e libertam as sementes, que passam incólumes pelo seu aparelho digestivo.
Esta ação de “sementeira” não terá passado despercebida ao homem que rapidamente compreendeu que partes desta planta têm um efeito laxante, algo que já Galeno (médico romano de origem grega – séc. II AC) tinha reconhecido.
A casca do tronco e dos ramos é utilizada em fitoterapia, depois de seca (guardando-a por mais de um ano e secando-a a 100º durante 1 hora) para combater a obstipação. A casca do sanguinho (e em menor extensão, o fruto) é rica em antraquinonas (3-7%) que causam o peristaltismo por períodos de 12 ou mais horas. Em doses excessivas pode ter efeitos nefastos na saúde humana, sendo os menores gastroenterites, hemorragias e cólicas intestinais.
Dos frutos verdes extraía-se um corante verde para tingir tecidos, da casca extraía-se um corante amarelo utilizado em tinturaria e do carvão da sua madeira produzia-se, sobretudo entre o séc. XV e o XIX, uma pólvora muito apreciada por arder de forma constante permitindo explosões controladas.
Ecologicamente trata-se de uma espécie importante e isso mesmo é reconhecido pelo Plano Sectorial da Rede Natura 2000 onde integra as espécies constantes dos habitats naturais 91E0pt3 – Amiais paludosos – e 91E0pt1 – Amiais ripícolas.
Bibliografia
J.S. Carrión, C. Finlayson, S. Fernández, G. Finlayson, E. Allué, J.A. López-Saéz, P. López-García, G. Gil-Romera, G. Bailey and P. González-Sampériz. 2008. A coastal reservoir of biodiversity for Upper Pleistocene human populations: palaeoecological investigations in Gorham’s Cave (Gibraltar) in the context of the Iberian Peninsula. Quaternary Science Reviews 27: 2118–2135.
Moe, D. 1984. The Late Quaternary history of Rhamnus frangula in Norway. Nordic Journal of Botany, 4: 655–660. doi:10.1111/j.1756-1051.1984.tb01989.x
Proença da Cunha, A., Pereira da Silva, A. e Rodrigues Roque, O. 2009. Plantas e Produtos Vegetais em Fitoterapia. Fundação Calouste Gulbenkian.
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* Este texto resulta de uma colaboração graciosa do Professor Doutor Rubim Almeida com o FUTURO – projeto das 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto. O Professor Doutor Rubim Almeida é docente e investigador na área da botânica na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, onde é coordenador do Mestrado em Ecologia, Ambiente e Território. Integra o CIBIO / INBIO.